POR: FELIPE PRETEL ANTUNES VIEIRA
Ressentimento Familiar em Relação a Parentes: Mecanismos Psicológicos e Consequências Sociais
O ressentimento familiar em relação a parentes bem-sucedidos é um fenômeno comum que pode levar a conflitos interpessoais, comportamentos de sabotagem e rupturas nos relacionamentos. Esta revisão sintetiza achados empíricos de literatura revisada por pares, explorando os fundamentos psicológicos da inveja, da ferida narcísica e da inferioridade internalizada, além de discutir como essas dinâmicas favorecem padrões destrutivos dentro das relações familiares.
Bases Psicológicas da Inveja e da Ferida Narcísica
A inveja é uma emoção multifacetada caracterizada por sentimentos de inferioridade, ressentimento e hostilidade ao comparar-se com outros que possuem atributos ou sucessos desejados. (Smith & Kim, 2007) definem a inveja como “uma emoção desagradável, frequentemente dolorosa”, que desperta sentimentos de inferioridade e hostilidade (Smith & Kim, 2007). O ressentimento pode surgir nas famílias quando um membro alcança sucesso notável, desencadeando inveja nos demais. As conquistas do indivíduo bem-sucedido tornam-se um lembrete constante da inferioridade dos outros, levando a uma dinâmica conhecida como “ferida narcísica”, na qual o sucesso de um membro afeta negativamente a autoestima daqueles que se sentem insuficientes em termos de realizações. Pesquisas indicam que indivíduos com traços narcísicos acentuados podem perceber o sucesso dos outros como uma afronta pessoal, alimentando níveis elevados de ressentimento, particularmente entre irmãos ou parentes próximos (Lange et al., 2016; Lange et al., 2018). Tais sentimentos podem levar a comportamentos desadaptativos, incluindo a sabotagem das conquistas do parente bem-sucedido e a deterioração dos relacionamentos familiares (Lange et al., 2018).
Inferioridade Internalizada e Conflito Familiar
Esse ressentimento, quando alimentado, pode evoluir de um desconforto silencioso para um conflito aberto e até para atos de sabotagem, nos quais o parente ressentido busca minar os esforços e as conquistas do membro bem-sucedido como uma forma distorcida de aliviar sua própria sensação de inadequação (Segal-Halevi & Nitzan, 2016).
Estudos longitudinais mostram que a inferioridade internalizada está associada ao conflito familiar, pois famílias que falham em lidar com tais ressentimentos podem se ver presas em ciclos de culpa e hostilidade, nos quais o ressentimento inicial se intensifica em um conflito familiar enraizado, levando, por fim, a rupturas significativas nos relacionamentos (Huang et al., 2023).
Achados Empíricos sobre Comportamentos de Sabotagem e Isolamento Social
A relação entre ressentimento familiar e comportamentos de sabotagem aparece de forma consistente na literatura. Huang et al. (2023) mostram como sentimentos de inveja podem gerar atitudes que enfraquecem a cooperação no ambiente de trabalho, dinâmica aplicável também aos vínculos familiares. Nesse contexto, emoções negativas se expressam em ações de sabotagem, como espalhar boatos, omitir deliberadamente apoio emocional ou reduzir as conquistas do parente bem-sucedido diante dos outros, corroendo progressivamente os laços familiares.
Esses comportamentos corroem os vínculos familiares e estimulam a exclusão social. O ressentimento persistente gera danos reputacionais, desconfiança e isolamento, alimentando um ciclo de afastamento e sofrimento psicológico (Irshad et al., 2024; Michalski & Shackelford, 2001).
Peso Oculto do Ressentimento
Pesquisas indicam que o ressentimento direcionado a parentes bem-sucedidos pode ter efeitos silenciosos, porém significativos. A hostilidade, a sabotagem, e a fofoca, ainda que sutis, tendem a corroer laços familiares e deixam registros psicológicos e sociais mais perceptíveis do que se imagina (Irshad et al., 2024; Michalski & Shackelford, 2001). Com o tempo, tais comportamentos aumentam a chance de serem reconhecidos socialmente e, mesmo sem qualquer acusação formal, podem levar a uma percepção de desconfiança ou de um ambiente relacional desgastado (Huang et al., 2023). Esse tipo de imagem pode se estender para redes profissionais e pessoais, reduzindo oportunidades de crescimento e ampliando o isolamento social. Em outras palavras: se não for manejado com cuidado, o ressentimento pode fragilizar vínculos importantes, além de limitar silenciosamente perspectivas futuras.
Intervenções Clínicas e Estratégias de Prevenção
Para lidar com as dinâmicas do ressentimento familiar, é essencial uma abordagem multifacetada. Intervenções psicoeducacionais focadas na regulação emocional podem ajudar membros da família a reconhecer e gerenciar seus sentimentos de inveja e ressentimento. Incentivar a comunicação aberta dentro das famílias também é primordial para lidar com queixas antes que elas evoluam para comportamentos de sabotagem (Cohen‐Charash, 2009). Estratégias cognitivo-comportamentais voltadas para a reformulação de comparações e para a promoção de uma cultura de apoio podem mitigar os impactos psicológicos negativos da inveja, como mostrado em várias meta-análises e estudos empíricos.
Além disso, promover a atenção plena (mindfulness) nas dinâmicas familiares pode ajudar a reduzir a inveja maliciosa e a fomentar interações relacionais positivas. Estudos de Dong et al. (2019) sugerem que a atenção plena aumenta a resiliência emocional e pode mitigar os efeitos adversos de sentimentos nocivos, promovendo mecanismos de enfrentamento mais saudáveis (Dong et al., 2019).
Portanto…
Desta maneira, o ressentimento familiar em relação a parentes bem-sucedidos tem raízes em mecanismos psicológicos complexos, incluindo a inveja, a ferida narcísica e a inferioridade internalizada. Essas dinâmicas frequentemente levam a conflitos familiares, comportamentos de sabotagem e rupturas relacionais, com implicações sociais significativas para o indivíduo ressentido. Mais importante ainda, pesquisas demonstram consistentemente que o ressentimento não tratado pode escalar para padrões destrutivos que – além de isolar o indivíduo socialmente – também prejudicam sua reputação no longo prazo. Consequentemente, intervenções clínicas eficazes e estratégias preventivas são essenciais para promover relacionamentos familiares mais saudáveis e mitigar as repercussões psicológicas de longo prazo do ressentimento familiar.
Orientação: Em casos que evoluem para abuso psicológico, violência patrimonial, ameaças ou qualquer forma de agressão, é fundamental buscar ajuda formal. No Brasil, ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou 190 (emergência policial). No estado de São Paulo, também é possível registrar ocorrência ou buscar orientação nas Delegacias de Defesa da Mulher (DDM), disponíveis em diversas regiões. Esses canais garantem sigilo e apoio especializado.
Contatos:
Brasil. Ministério das Mulheres. (2025). Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180: guia de serviços e procedimentos. Governo Federal. pt.wikipedia.org+13gov.br+13gov.br+13
São Paulo. Secretaria de Políticas para as Mulheres. (2025). Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs): atendimento presencial 24h em todo o estado. Governo do Estado de São Paulo. capital.sp.gov.br+5mulher.sp.gov.br+5spportodas.sp.gov.br+5
🔎 Sobre o trabalho clínico de Felipe Pretel
Psicólogo pela UNIFESP, com formação clínica continuada pelo Instituto de Psicologia da USP e pela Clínica Singularis, Pretel atua a partir de uma abordagem psicodinâmica contemporânea, com foco em conflitos afetivos, estruturas de personalidade e simbolização das experiências.
Também formado em Economia pela FEA-USP, desenvolve uma escuta ampliada das dimensões estruturais da vida humana — como valor, trabalho, posição e contingência — integrando leitura sociocultural com técnica clínica refinada.
As entrevistas abaixo oferecem um ponto de entrada simbólico para compreender sua forma de pensar, trabalhar e interpretar os dilemas existenciais da nossa época — revelando tanto o estilo clínico quanto a densidade subjetiva do autor:
- 📄 Entrevista Internacional (IssueWire)
- 📄 Nova Entrevista Internacional (ISStories)
- 📲 Instagram Profissional: @ifpretel
- 💼 LinkedIn Profissional
Clínica fundamentada, simbolização profunda e escuta atravessada por conflitos reais, relações vividas e posicionamentos subjetivos.
REFERÊNCIAS
Cohen‐Charash, Y. (2009). Episodic envy. Journal of Applied Social Psychology, 39(9), 2128–2173. https://doi.org/10.1111/j.1559-1816.2009.00519.x
Dinić, B., & Branković, M. (2022). Cross-cultural comparison of the benign and malicious envy scale (BEMAS) across Serbian and US samples and further validation. European Journal of Psychological Assessment, 38(1), 49–60. https://doi.org/10.1027/1015-5759/a000643
Dong, et al (2019). How mindfulness affects benign and malicious envy from the perspective of the mindfulness reperceiving model. Scandinavian Journal of Psychology, 61(3), 436–442. https://doi.org/10.1111/sjop.12596
Irshad, et al. (2024). Impact of psychological entitlement on engagement in learning activities and psychological anxiety of hotel employees: Envy as an explanatory mechanism. Preprint. https://doi.org/10.21203/rs.3.rs-4150096/v1
Lange, J., Crusius, J., & Hagemeyer, B. (2016). The evil queen’s dilemma: Linking narcissistic admiration and rivalry to benign and malicious envy. European Journal of Personality, 30(2), 168–188. https://doi.org/10.1002/per.2047
Lange, J., Redford, L., & Crusius, J. (2018). A status-seeking account of psychological entitlement. Personality and Social Psychology Bulletin, 45(7), 1113–1128. https://doi.org/10.1177/0146167218808501
Michalski, R., & Shackelford, T. (2001). Methodology, birth order, intelligence, and personality. American Psychologist, 56(6–7), 520–521. https://doi.org/10.1037/0003-066x.56.6-7.520
Segal-Halevi, E., & Nitzan, S. (2016). Envy-free cake-cutting among families. Preprint. https://doi.org/10.48550/arxiv.1607.01517
Smith, R., & Kim, S. (2007). Comprehending envy. Psychological Bulletin, 133(1), 46–64. https://doi.org/10.1037/0033-2909.133.1.46
Huang, D., et al (2023). The effects of feeling envied on employees’ psychological safety and work engagement: The role of workplace friendship. Psychological Reports, 128(3), 2115–2137. https://doi.org/10.1177/00332941231169670